Aquaponia – Fisgando peixes e plantas

Está cada vez mais difícil escolher produtos nos supermercados atualmente, face à enorme quantidade de opções disponíveis. Agora há um item a mais a ser considerado: Que danos ambientais você prefere? Na terra ou no mar? Podem ser agrotóxicos de hortas e pomares que impregnam o solo ou estoques de peixes dilapidados pela pesca predatória. Todo alimento disponível tem um custo ecológico cada vez mais contundente.

Diante desse quadro, um número cada vez maior de pesquisadores, agricultores e aquaculturistas estão trabalhando para aperfeiçoar e popularizar uma técnica que poderia reduzir significativamente os custos tanto da produção de peixes quanto de verduras. A técnica, conhecida como “aquaponia”, integra a piscicultura e a agricultura hidropônica em uma espécie de ciclo simbiótico fechado ─ os peixes servem como fábricas de fertilizante, e as plantas como purificadores de água. A idéia é maximizar a produção de alimentos e ao mesmo tempo minimizar a carga de agressão ambiental e potencial poluição ─ uma abordagem sustentável para cultivar alimentos saudáveis.

Na fazenda Cabbage Hill, em Mount Kisco, Nova York, uma estufa aquapônica bem dimensionada confirma a validade do conceito. Seis tanques cilíndricos com tamanho entre 4 mil e 12 mil litros contem, cada um, centenas de peixes como a perca ou tilápia. À medida que o peixe respira, suas guelras expelem amônia que se mistura à água. A amônia é um subproduto metabólico normal, mas a partir de determinada concentração se torna tóxico, por isso deve ser removida para manter os peixes saudáveis.

A maior vantagem da aquaponia é o aproveitamento desse resíduo: em um biorreator equipado com um misturador, semelhante a um caldeirão gigante, a água saturada de amônia retirada dos tanques próximos é processada por colônias de duas bactérias, Nitrosomonas e Nitrobactérias. A primeira transforma a amônia em nitrito, que a outra depois transforma em nitrato, um fertilizante poderoso. Utilizando as excreções dos peixes para a fertilização das plantas, “não é preciso comprar fertilizantes derivados de petróleo, o que implica em custo energético de produção e transporte”, constata o cientista agrícola James Rakocy da University of the Virgin Islands (UVI), um defensor ferrenho da aquaponia e que dispõe de um modelo das instalações para demonstração na instituição onde trabalha. “O nosso fertilizante seria um resíduo inútil, que estamos aproveitando para cultivar plantas.”

O cultivo de hortaliças em Cabbage Hill é feito em longos tanques rasos para onde escoa a água rica em nutrientes que sai do biorreator. Sobre balsas ─ painéis isolantes de poliestireno ─ flutuando nos tanques, manjericão, cebolinha, couve de bruxelas e alface crescem hidroponicamente ─ ou seja, sem terra. Suas raízes nuas atravessam os buracos das balsas e extraem os nutrientes diretamente da água onde flutuam.

Livre dos nitratos, a água está pronta para voltar para os tanques de peixes, depois de ter sido totalmente “filtrada” pelas raízes dos vegetais de crescimento rápido e alto valor agregado.

O guru da aquaponia, Kevin Ferry, que mora em Cabbage Hill, vê o processo como uma extensão dos ciclos nutrientes naturais. “Tudo o que estamos fazendo é acelerar a natureza ─ o biorreator está apenas produzindo adubo”, esclarece ele, comparando o movimento de aeração no interior do caldeirão com a aeração de monte de adubo sólido quando revolvido.

Tal como acontece com qualquer tentativa de acelerar ou intensificar a natureza, a aquaponia tem custos e complexidades. Durante uma incursão pelas instalações da Cabbage Hill, Ferry pára freqüentemente para interferir nos sistemas ─ jogando punhados de ração em um tanque de tilápias, acrescentando cal no biorreator para aumentar o pH da água ─ reduzir sua acidez ─, mergulhando o dedo em um tanque de tilápias para verificar, pelo sabor, se o teor de sal está correto ─ cerca de oito partes por mil, registram suas papilas gustativas. “Um lugar como este precisa de cuidados constantes”, ele observa.

Na parte externa da instalação, um gerador a biodiesel e uma caldeira alimentada por óleo vegetal descartado, ambos inativos durante os meses de verão, são testemunhas da sede de energia do sistema aquapônico ─ as bombas, filtros e o biorreator funcionam durante o ano todo, com um ruído às vezes ensurdecedor, e no inverno é preciso aquecer os tanques e garantir a iluminação.

Tais exigências tornam difícil competir com os aquaculturistas estrangeiros e em escala industrial, em termos de preço e quantidade. Felizmente, a produção de vegetais de crescimento rápido é a principal fonte de recursos. Os clientes da Cabbage Hill são principalmente restaurantes locais e pequenos mercados que valorizam o que Ferry chama de produtos “da horta para a mesa”. “Estes sistemas são bastante caros”, observa Rakocy. “Então é preciso criar culturas valorizadas e procurar nichos de mercado.”

Rakocy tem procurado baixar o preço de produtos aquapônicos desenvolvendo projetos que utilizam energia gerada por resíduos. A UVI integrou um consórcio que, com recursos de 150 mil dólares fornecidos pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, instalou em 2001, um sistema aquapônico movido a gás proveniente de aterro sanitário, no EcoComplex da Rutgers University, um centro de pesquisa do condado de Burlington, Nova Jersey. “No futuro”, prevê ele, “haverá instalações de aquaponia ao redor dos aterros sanitários”, canalizando o gás produzido pelo lixo para produzir alimentos.

Mesmo no atual estado de alto consumo de energia, Rakocy mostra, que a aquaponia apresenta vantagens na preservação de outro recurso precioso: a água. Boa parte da água usada na irrigação da lavoura tradicional escoa pelo solo ou evapora antes de atingir as raízes das plantas. Em uma instalação aquapônica de recirculação, ao contrário, “as plantas simplesmente retiram o que precisam, e o resto permanece no sistema e volta para os peixes”, explica ele. Na verdade, o sistema da UVI é tão eficiente que uma perda ocasional é inteiramente reposta através de um sistema de captação de águas pluviais, ele acrescenta.

Martin Schreibman, biólogo do Brooklyn College, em Nova York e defensor da aquacultura urbana, admite que a aquaponia apresenta inúmeros desafios, mas, como Rakocy, ele é um otimista quanto aos resultados. “Toda revolução teve seus problemas: a revolução industrial, a revolução verde, a revolução agrícola”, ele comenta. “Agora, a revolução azul que está surgindo, certamente terá problemas, mas poderemos contorná-los. Acho que são problemas solúveis.” Na verdade, acrescenta Schreibman, adotar o sistema de aquaponia próximo a centros populacionais pode apresentar soluções para outros problemas. “As populações naturais de peixes estão se esgotando, temos problemas com alimentos estragados que chegam do exterior, temos desemprego, uma economia ruim”, ele observa. “Um tipo de aquacultura e aquaponia urbanas poderia mitigar essas dificuldades.”

Schreibman observa que a crítica sobre as necessidades de energia da aquaponia ignora “a energia gasta para trazer mercadorias da China por mar ou do Equador, por via aérea”, dois dos principais exportadores de frutos do mar para os Estados Unidos. “Existe uma compensação. Nosso transporte é de pequenas distâncias.”

No momento em que o preço dos combustíveis aumenta o preço de produtos importados e surgem cada vez mais questões ambientais ligadas à produção de alimentos, o grau de interesse pela aquaponia vem “aumentando astronomicamente”, diz Rakocy. Ele oferece mini-cursos sobre métodos aquapônicos na UVI, cuja procura quase triplicou nos últimos três anos. “Este ano tivemos que recusar várias interessados”, diz Rakocy. “Eu tenho recebido inúmeras solicitações do tipo: Pode me incluir na lista de espera para o próximo ano”? (Fonte: Scientific American Brasil – http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/fisgando_peixes_-_e_plantas_4.html)

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