Controle Biológico: na busca pela sustentabilidade da agricultura

Nos últimos anos, especialmente após a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), a humanidade tem-se mostrado preocupada, de forma crescente, com os problemas de conservação da qualidade do meio ambiente provocados por uma ampla gama de atividades humanas, incluindo os relacionados à exploração agropecuária. Essa preocupação tem resultado na busca pelo setor agropecuário de tecnologias para a implantação de sistemas de produção de enfoque ecológico, rentáveis e socialmente justos. Como resposta a essa demanda, a pesquisa científica tem avançado no desenvolvimento de soluções tecnológicas para uma agricultura sustentável.

A agricultura sustentável, produtiva e ambientalmente equilibrada, apóia-se em práticas agropecuárias que promova a agrobiodiversidade e os processos biológicos naturais, baseando-se no baixo uso de insumos externos. Infere-se daí que o controle biológico é uma alternativa promissora para o manejo de pragas em sistemas agrícolas sustentáveis, visto constituir-se num processo natural de regulação do número de indivíduos da população da praga por ação dos agentes de mortalidade biótica, os quais são também denominados de inimigos naturais ou agentes de controle biológico.

O homem através dos tempos, descobriu como manipular ou manejar esses inimigos naturais para uso na agricultura, daí surgindo o Controle Biológico Aplicado como uma biotecnologia baseada na utilização recursos genéticos microbianos, insetos predadores e parasitóides para o controle de pragas, especialmente os insetos e ácaros fitófagos, nos sistemas de produção agrícola.

No século III, os chineses se valeram da predação de formigas (Oecophylla smaragdina) para o controle de pragas de citros, marcando o início da história do uso do controle biológico de pragas agrícolas. Todavia, somente no século XX é que o controle biológico passou a ser objeto de pesquisas constantes para sua implantação de forma mais presente e intensiva nos ecossistemas agrícolas.

Na agricultura convencional, os inimigos naturais são geralmente utilizados como um método complementar aos agrotóxicos no manejo integrado de pragas, enquanto que na agricultura orgânica, eles se inserem em substituição a esses produtos químicos sintéticos. Todavia, a tendência do controle biológico é aumentar consideravelmente no âmbito global, atendendo às demandas mundial pela utilização de práticas agrícolas menos agressivas ao meio ambiente, uma vez que em comparação ao controle químico, o controle biológico tem as seguintes vantagens: protege a biodiversidade, maior especificidade e, portanto, com menor risco de atingir organismos não-alvos, não deixa resíduos tóxicos em alimentos, água e solo e aumenta o lucro do produtor, uma vez que tender a ser mais barato que os agrotóxicos.

Estratégias de controle biológico: potencial, riscos e desafios Basicamente, existem três estratégias pelas quais os inimigos naturais podem ser manejados pelo homem para que causem redução no nível populacional de uma praga, objetivando mantê-la abaixo do nível de dano econômico, a saber:

Controle Biológico Clássico – Envolve a importação de agentes de controle biológico da região de origem da praga, seja de um país para outro, ou de uma região para outra, de modo a estabelecê-los permanentemente como novos elementos da fauna local.

O primeiro caso de sucesso de controle biológico clássico foi obtido com a importação da joaninha Rodolia cardinalis pelos EUA da Austrália, sendo introduzida em 1988 nos pomares de citros da Califórnia para o controle da cochonilha Icerya purchasi. Tal foi o sucesso que em menos de dois anos após a liberação dessa joaninha, o controle dessa praga já havia sido alcançado. No Brasil, o primeiro projeto de controle biológico clássico foi a introdução do microhimenóptero Prospaltella berlesei, importado dos EUA, para o controle da cochonilha branca da amoreira, Pseudaulacaspis pentagona, em 1921.

Todavia, essa estratégia de controle biológico envolve riscos, uma vez que se está introduzindo uma espécie exótica que poderá competir com a fauna nativa, podendo resultar em deslocamento de determinadas espécies nativas para outros habitats ou mesmo sua extinção. Dessa forma, para que essa estratégia tenha sucesso alguns procedimentos básicos para a introdução de inimigos naturais exóticos precisam ser obedecidos para minimizar os riscos. Esses procedimentos devem ser regulados pelos laboratórios de quarentena.

No Brasil, o Laboratório de Quarentena “Costa Lima” é o único credenciado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento (MA) para introduzir inimigos naturais para o controle de pragas. Este laboratório iniciou suas atividades em 1991 e está localizado na Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna/SP). Desempenha funções relativas à introdução de agentes de controle biológico, fazendo trabalho de quarentena e mantendo informações sobre as espécies de organismos úteis introduzidas no Brasil, incluindo a pureza do material recebido, comprovação da especificidade hospedeira e verificação de seu possível impacto sobre organismos não-alvos. São também funções do laboratório: acompanhar as liberações e o estabelecimento no campo de inimigos naturais introduzidos, por um período de até dois anos. No período de 1991 a 1999, o Laboratório de Quarentena “Costa Lima” realizou um total de 80 introduções de inimigos naturais de insetos e outros organismos. Dentre as introduções mais recentes, destacam-se a introdução das seguintes espécies de parasitóide: Diachasmimorpha longicaudata introduzido em 1994, por iniciativa da Embrapa Mandioca e Fruticultura para o controle de moscas-das-frutas (Anastrepha spp. e Ceratitis capitata), com projeto pilotos conduzidos na região Nordeste do Brasil por essa unidade de pesquisa da Embrapa.

Controle Biológico Aumentativo ou por Incremento – Nessa estratégia, o inimigo natural é multiplicado massalmente em laboratórios especializados, portanto, envolve a criação ou produção massal do inimigo natural. Posteriormente, eles são liberados no campo no momento apropriado. Esse momento é decido baseando-se na biologia da praga alvo, de modo a sincronizar as liberações quando a praga encontra-se em seu estágio mais susceptível.

Casos bem sucedidos do uso dessa estratégia para controle de pragas agrícolas no Brasil podem ser destacados. O caso de maior sucesso é o controle biológico da broca-da-cana de açúcar (Diatraea saccharalis) através da criação massal em laboratório e liberação no campo da vespinha Cotesia flavipes, sendo responsável por cerca de 70% a 80% do parasitismo das lagartas de D. saccharalis. Na cultura da soja, destaca-se o controle biológico de ovos de percevejos, especialmente o percevejo verde da soja (Nezara viridula), pelo parasitóide Trissolcus basalis, cuja tecnologia de criação/liberação dessa vespinha foi desenvolvida por pesquisadores da Embrapa Soja (Londrina/PR). Um outro caso relevante foi o desenvolvimento do programa de controle biológico da traça do tomateiro (Tuta absoluta) através da vespinha Trichogramma pretiosum (parasitóide de ovo de T. absoluta), pela Embrapa Semi-Árido (Petrolina/PE) na década de 90. Empresas brasileiras que comercializam essa vespinha são: Bug Agentes Biológicos (Piracicaba, SP) e a Megabio Produtos Biológicos Ltda (Uberlândia, MG).

Outros exemplos bem sucedidos dessa estratégia de controle biológico no Brasil referem-se ao uso de microrganismos entomopatogênicos. A Embrapa Soja viabilizou, a partir de 1977, o uso em larga escala do vírus da poliedrose nuclear da lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis), denominado de Baculovirus anticarsia. A bactéria Bacillus thuringiensis tem sido largamente utilizada no controle de lagartas em várias culturas, especialmente na agricultura orgânica, estando disponível como produto formulado no mercado brasileiro para uso agrícola, sendo o Dipel a marca comercialmente mais conhecida. No caso de fungos entomopatogênicos, destacam-seMetarrhizium anisopliae, que é utilizado no controle da cigarrinha da cana-de-açúcar (Mahanarva fimbriolata e M. posticata) e das pastagens (Deois spp. e Zulia spp.), e Beauveria bassiana, que tem sido recomendado para controle da broca do café (Hypothenemus hampei), moleque da bananeira (Cosmopolites sordidus) e broca do pedúnculo floral do coqueiro (Homalinotus coriaceus). Essas duas espécies de fungos são comercializadas como produto formulado e registrado no MAPA pela empresa Itaforte Bioprodutos, sendo atestados pela ECOCERT BRASIL como insumos apropriados para uso na agricultura orgânica.

Controle Biológico por Conservação – Envolve a manutenção dos inimigos naturais nos agroecossistemas por favorecer ou fornecer condições de sobrevivência e reprodução e, conseqüentemente, aumentando sua efetividade. Nesse sentido, essa estratégia envolve, portanto, o manejo do habitat através de práticas agronômicas que vise o aumento e a preservação de inimigos naturais nos agroecossistemas, destacando-se a incorporação de espécies vegetais que proporcionem recursos vitais (abrigo, microclima, pólen, néctar, hospedeiros alternativos etc.) para os inimigos naturais. Pólen e néctar, que podem ser proporcionados pelas plantas companheiras tal como adubos verdes, plantas aromáticas e plantas espontâneas, são importantes porque são recursos essenciais para o estágio de vida não carnívoro dos parasitóides e de certos predadores. Para outros predadores podem representar um suplemento ou complemento de uma presa de qualidade inferior, como ocorre para certas espécies de joaninhas (Coccinellidae), bichos lixeiros (Chrysopidae), moscas Syrphidae, vespas (Vespidae) e ácaros predadores. Umbelliferae, Leguminosae e Compositae têm desempenhado esse importante papel ecológico, sendo denominadas “plantas insetárias”. Todavia, a estrutura e coloração da corola, quantidade de pólen e/ou néctar das flores, influenciam no forrageamento desses artrópodes benéficos. Por exemplo, flores de corola branca ou amarela são boas candidatas como “plantas insetárias” por incitar a alimentação de moscas Syrphidae, aumentando longevidade e fecundidade, resultando num aumento da população de suas larvas que predam pulgões. Isso demonstra a necessidade de pesquisas sobre os efeitos da “qualidade” da diversificação de plantas sobre as pragas e os inimigos naturais nos sistemas de produção, isto é, a diversidade “funcional” é que mais importa, e não a diversidade por si só. A maioria dessas pesquisas tem sido conduzida nos Estados Unidos, Europa e Austrália, todavia, em função da riquíssima flora brasileira, com certeza temos a nossa disposição um arsenal de espécies botânicas para serem investigadas. Como os efeitos da diversidade vegetal não podem ser generalizados, sendo que cada sistema agrícola é um sistema em particular, torna-se necessário a geração de conhecimento para consolidar o manejo de pragas através do controle biológico por conservação nos agroecossistemas brasileiros. (Fonte: Embrapa)

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